A Vaca e o Brejo

Vaca no brejo é rua sem saída, porta sem trinco, é cobra fumando.

sábado, agosto 26, 2006



Meus primeiros posts no blog tinham, predominantemente, assuntos políticos. Era o auge do mensalão. Depois o tempo foi passando e papo sobre política passou a ser cada vez mais raro.

Fico pensando nas causas e não é difícil de saber porque. Eu sigo o andar da carruagem. Estou cansado de política, como você deve estar. Enojado. E certo de que não há solução neste país.

Governos roubam. Roubos são descobertos. Nomes são citados. Provas incontestáveis da roubalheira são apresentadas. O que fazem os ladrões? Negam. Negam contra todas as evidências. Olham firmes para as câmeras e juram não saber de nada. Ficamos nós, de nariz vermelho olhando.


Vamos adiante: o que faz o judiciário? Protegem os canalhas. Sem pudor nem rubor.

Aí chegam as eleições. O Lulla, mensaleiros e sanguessugas vão ser varridos do mapa à tapa. O povo vai dar um basta nas patifarias. A decência, a honestidade, a moralidade, o amor à verdade vão prevalecer. Eu pensei. Você, talvez tenha pensado. Eu digo talvez, porque eu estava enganado e eu, vejo agora, sou parte de uma minoria.
Porque os patifes serão todos re-eleitos. Um por um.

Pode-se argumentar que os culpados serão os ignorantes, os patifes e aqueles coitados comprados com a esmola da bolsa família. E daí? Isto só prova que estes são maioria. Ponto para o canalha do Alvorada. Menos um para mim e, talvez, para ti.

Eu paro por aqui. Não sem antes repassar parte de um artigo pulicado no Blog do Noblat de autoria de Ruy Fabiano. Dá uma boa amostra do atoleiro em que nos metemos.

Quem se der ao trabalho de confrontar o noticiário dos encontros entre Lula e intelectuais nas campanhas de 2002 e na atual há de constatar o imenso abismo conceitual que se cavou entre um momento e outro. Em ambos, o tema predominante é o mesmo: ética na política. A sutil diferença é que, enquanto no primeiro, afirmava-se o império da ética, no de agora celebra-se o seu velório.
Sustentou-se, com a maior naturalidade, no encontro de segunda-feira passada, 21, na casa do ministro da Cultura, Gilberto Gil, no Rio, que ambas – ética e política - são simplesmente incompatíveis. O ator Paulo Betti resumiu: “Política não existe sem mãos sujas. Não dá para fazer sem botar a mão na merda (sic)”.
(...)
O compositor e maestro Wagner Tiso, autor da imortal canção “Coração de Estudante”, que embalou campanhas memoráveis como a das diretas-já e a de Tancredo Neves, no tempo em que artistas e intelectuais brasileiros iam aos palanques para pedir ética na política, informou que votará em Lula e no PT. E explicou a’O Globo (23.08):
“Não estou preocupado com a ética do PT ou com qualquer tipo de ética. Para mim, isso não interessa. Eu acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país, entendeu?”
Ou seja, o que foi feito – e que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, classificou, em denúncia ao Supremo Tribunal Federal, de “formação de uma organização criminosa” dentro da administração pública, com o objetivo de perpetuar no Poder o atual governo – “é um jogo que tem que fazer para governar o país, entendeu?” Não há nele, pois, nada de errado.
(...)
Entre os antigos adversários, os ex-governadores Newton Cardoso (MG) e Jader Barbalho (PA), para os quais o PT há não muito tempo pedia simplesmente cadeia.
(...)
Se esse é o “jogo do Poder” – expressão genérica e imprecisa que lança um estigma fatalista sobre a condição humana -, então não faz sentido combater coisas como PCC e Comando Vermelho. Eles praticam o mesmo jogo – e até com maior transparência e objetividade. Vão direto ao assunto, sem maiores blá-blá-blás. Com eles, ao menos, sabe-se com quem se está falando.
(...)
Wagner Tiso faz o mesmo, na entrevista do dia 23 passado a’O Globo. Diz: “Ninguém nunca falou do caixa dois da reeleição do Fernando Henrique”. Claro que falou. Foi tema que consumiu quilômetros de noticiário e tornou-se um dos carros-chefes do discurso eleitoral petista – e até mesmo fator de adesão de muita gente desencantada ao PT. Gente que achava que a ética estava bem defendida pelos tucanos e se decepcionou.
(...)
Em nenhum momento, no entanto, ninguém veio a público proclamar que aquilo estava certo e que política é daquele jeito mesmo. Negavam-se as acusações, ainda que sem argumentos convincentes, e nessa negativa estava ao menos embutido o reconhecimento de que aqueles atos eram nefastos e não podiam (como não podem) estar presentes na vida pública.
Agora, não: diz-se que é assim mesmo, que ninguém deve se preocupar com isso, que é impossível governar “sem botar a mão na merda”, e bola pra frente. La Rochefoucauld dizia que “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. Pior que a hipocrisia é o escracho, túmulo da virtude, em que querem confinar a política brasileira. E isso é mais trágico que a soma de todas as ditaduras.
(...)
Mas, como não é possível não crer em nada, o único meio de encerrar este artigo sem deixar o leitor sem saída é recorrendo aos préstimos ético-estilísticos de Millôr Fernandes: "Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer."