A Vaca e o Brejo

Vaca no brejo é rua sem saída, porta sem trinco, é cobra fumando.

sábado, junho 24, 2006

Pois no fim de semana passado tomei coragem. Aproveitei as passagens de 50 pilas da Gol, peguei mulher e filho e fui checar aquele clima miserável de Porto Alegre.


Mas não é que não estava ruim? Nada de frio infame seguido de calor africano. Nada de chuva. Muito bom mesmo.

Melhor foi o passeio de sábado. Junta irmãos, cunhadas, sobrinhos e amigos e sai o comboio para Bento Gonçalves. Vale dos Vinhedos. E nem lá estava frio.

Na chegada demos uma de turista. Fomos visitar a Vinícula Aurora. Cerca de 100 pessoas seguiam a guia, de leve sotaque "cassiense", que em meio a pipas e tonéis dava explicações sobre fabricação de vinhos. De repente estávamos no meio de mais de uma dezena de tonéis, cada um armazenando milhares e milhares de litros de vinho. Milhões de litros no total. E a guia falando:

Aqui é deixado maturando o vinho Sangue de Boi.

Um frio passou pela espinha. Fiquei a imaginar que morte inglória seria afogar-se em milhões de litros de Sangue de Boi. Dei um jeito de sair de fininho. A degustação era em copos plásticos. Clos des Nobles era o top de linha. Um suquinho básico e deu.

A tarde fomos para as vinícolas de verdade, apesar de uma passada rápida na Miolo.
Na Don Laurindo, degustação generosa do Tannat, o melhor vinho do Brasil hoje. Disparado. Tomamos também o ancelotta e um vinho do porto que não faz feio. Grande vinícola a Don Laurindo.

De lá, para a Don Cândido. Aí fico a pensar: italiano é mafioso mesmo. Todo mundo é Don isto, Don aquilo. Mas voltando ao roteiro, na Don Cândido o próprio atendia no balcão. Duro de negócio o carcamano, mas fechamos com bom desconto. Marselan foi o escolhido para trazer para casa. Grande vinho. De quebra um aceto balsâmico que não deve nada para os originais.
Uma pequena rateada na hora da foto obrigatória com Don Cândido:

- Tati, bate uma foto nos com o Don Laurindo.

Ele é negociante dos bons. Fez que não ouviu.

Melhor de tudo foi o almoço. Na entrada da cidade fica o Giuseppe. Todo de pedra serve galeto e um queijo à dorê de comer ajoelhado. Um vinho caseiro para lá de honesto. Excelente atendimento.

O nosso garçon, um gurizão na casa dos 18 anos ia e vinha, e ia e vinha. Numa destas percebi atrás da gola duas manchas suspeitas. Muito suspeitas. Percebi que estava todo mundo curioso. Quase no final chamei o cara:

- Me diz uma coisa tchê, tu não estás namorando muito?

- Eu não! respondeu enérgico. E saiu todo sem jeito para tentar esconder um pouco melhor aqueles dois chupões na lateral do pescoço.



Estes gringos são mafiosos mesmo.

quarta-feira, junho 21, 2006

Este mundo está ficando cada vez mais chato. Muito chato. E não estou falando nas guerras e na violência urbana. Falo no que resta. No dia a dia que vivemos. Na brincadeira cada vez mais vigiada.

Piada de negro? Racista.
Piada de judeu? Nazista.
Piada de mulher? Machista.
Piada de veado? Machista.
Casaco de pele? Assassino.
Churrasco? Assassino.

Pé no saco!

Estamos perdendo a tolerância. A qualidade de rirmos dos nossos defeitos e das idiossincrasias humanas. A Europa toda está se tornando refém de fanáticos de todos os tipos. Religiosos. Vegetarianos. Verdes. Defensores de animais. Todos importantes se deixassem o radicalismo insano de lado. Mas devastadores na intolerância e na falta de respeito por qualquer um que pense minimamente diferente.

É por isto que, mais do que muitos, senti forte a morte do Bussunda. Pela sua molecagem. Pela sua cara de pau. Pelo seu humor politicamente mais do que incorreto. Pela sua doçura. Estão faltando muitos, milhares de bussundas na terra.


Bussunda é o cara. Pena que não vai mais aparecer por aí.

sábado, junho 10, 2006

Eu sou um privilegiado por ser da panela. Vocês não. Então repasso um post do Arnaldo Sisson (Manifesto Social Decadente). Não endosso nem desosso. Só aprecio. Espero que vocês também.

Bom proveito!

Lutarei até o fim pelo direito de falar bobagem, mas isso não significa que não fique indignado com algumas, principalmente se minhas. Assim é preciso embasar.

Acredito que todos tenham lido, ou planejado ler, Eric Robsbawm. A Era dos Extremos, Uma Pequena História do breve Século XX, etc... Excelente leitura, um pensador de esquerda que reconhece (até por historiador) a falência daqueles credos, mas ressalva ternamente que o fato do comunismo internacional (com as puras intenções que tinha) ter despertado a dedicação desinteressada de tanta gente é das poucas coisas que falam bem da humanidade.

Pois, sem especificar a bobagem, mas também lamentando, é claro, prevê tempos de obscurantismo a nível mundial. É principalmente a isso que me refiro. Já deu porcaria. O negócio é sobreviver no meio dela.

As liberdades individuais não voltarão a ser o que eram. Não podem. Mais gente só é possível com mais controle e cada vez mais estratificação da sociedade com tudo o que implica. Não é necessariamente o fim do progresso tecnológico, mas o que temos por enquanto já está bom e dá mostras de arrefecimento, pelo menos no que diz respeito a demanda: os computadores já são capazes de fazer mais do que é preciso em qualquer setor que eu conheça. Amanhã pego o jornal e criaram a inteligência artificial, mas ninguém é perfeito e essa é apenas uma possível e futura imperfeição. Como o futuro não existe presentemente, nem o passado, não leia isso amanhã e estaremos sempre de acordo.

Considero a argumentação tranqüila até aqui, mas começa um delírio que me persegue desde que comecei a ler tudo sobre pirâmides: impossível essa de túmulo, muita burrice em uma elite capaz de organizar obreiros, do engenheiro ao peão(logística pelo meio), e obter um efeito tão piramidal desenhando em papiros e gritando ordens em hieróglifos. Nunca engoli. Depois me dei conta que era o tinham para fazer na entre safra. Essa dá para engolir. Transformavam o PIB em pirâmides, nós em lixo. Mas tá, não era esse o assunto.


O lance é a direção evolucionária dos movimentos históricos. Sempre para permitir mais gente. Mesmo quando isso se tornou o evidente problema que é. Mas em surgindo o problema pipoca a solução. Organizar.

A afirmação não pretende mais nada e reflete um óbvio. Uma espécie aumenta em número até que o meio a limite por todas as maneiras. O tamanho do Planeta, pendente da forma como a sociedade se organizar, dá para muito mais gente. Gado não vive em confinamento?

Aqui tem matéria para um monte de outras considerações, mas seguindo a linha principal: essa de igualdade acabou até como ideal. Vai ter os de cima e os de baixo como já tem, mas de forma muito mais nítida. Tem os que vão continuar babando em televisões cada vez mais ao gosto, produzindo mais gente de onde eventualmente surge um Ronaldinho que, mesmo banhado em ouro, vai continuar votando no Lula(por hipótese) e lendo Caras(certamente). Se nas cidades onde se apresenta habita uma pessoa por metro quadrado ou cinco, não interessa, melhor que fossem dez. Para ele e a casta que o acolher. Isso não é nem prognóstico, está acontecendo. Se da plebe ignara brotar um engenheiro excepcional, a mesma coisa. Líder carismático, inculto e útil, mas bah, tchê!

Certo, errado, gosto, não gosto não qualquer significado. Ter razão ou não, a mesma coisa. A não dar essa na pedra já, é o colapso da civilização antes. Qual é escolha?

Só começo a ficar pessimista porque acho que de qualquer maneira “...a hard rain gonna fall” B.Dylan. Mas na real, tanto se me dá como se me deu, por enquanto tem sol e andar de bicicleta também é bom com a vantagem de economizar pulmões e cigarros.



“...primeiro sem deus, depois sem governo...”

sábado, junho 03, 2006

Mário Quintana foi o maior poeta brasileiro. Por isto, certamente por isto, nunca foi da Academia Brasileira de Letras. No que, certamente, só teve a ganhar. Tomar chá com o Sarney deve ser uma das coisas mais desagradáveis a ser enfrentada por um humano com pelo menos 30 de QI.

Eu nunca fui muito de poesia, mas o Quintana é a exceção.

Outro dia li um comentário de que ele tinha problemas com o pai e sofreu de alcoolismo. Normal. Quem não tem problemas com o pai de quando em vez? Alcoolismo é uma válvula de escape.

Outro cara falou que ele era um anjo assexuado. Aí surgiu a história de que tinha pau pequeno. Curioso um Alegretense de pau pequeno. Depois outro que viu o tal, disse que era normal. Ah bom ... Mas o que é normal para um Alegretense?

Mas aí fica inevitável a imaginação. Se todo cara com pau pequeno for poeta, quem ama a poesia deveria se mudar para o Japão. Ao menos é o que dizem dos japoneses.

Mas voltando ao que interessa. Eu amo Porto Alegre, tirando o clima miserável, é claro. E jamais deixo de me emocionar com uma poesia do Quintana sobre esta cidade onde passei muitos bons e maus momentos. Vai aí para relembrar. E para quem não conhece, se deliciar. Com fotos do Bro e da To.


O Mapa


Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...